BASE NO LIVRO DE JUDAS O NOSSO ASSUNTO ESTÁ NOSSO ASSUNTO.
8: Contudo, semelhantemente também estes falsos mestras, sonhando, contaminam sai carne, rejeitam toda autoridade e blasfemam das dignidades.
«...estes...» são os mesmos «certos», referidos no quarto versículo, que eram falsos mestres astuciosos, desonestos e doutrinariamente corruptos. Não eram ortodoxos nem nas doutrinas e nem na prática.
«...da mesma sorte...» Essas palavras estão ligadas a «...contaminam a carne...», aludindo às mesmas formas de depravação praticadas pelos habitantes de Sodoma e Gomorra. Portanto, assim como os homens depravados da antigüidade, que há pouco foram descritos, e que não tinham qualquer lei moral, assim também os hereges gnósticos não tinham qualquer restrição moral como parte de seu sistema doutrinário.
«...sonhadores alucinados...» Há muitas formas de misticismo. Os tradutores ou revisores (tradução AA) dão aqui uma falsa impressão. O termo grego, «enupiniadzomai», significa apenas «sonhar» (como em IB) ou «ter visões», não havendo qualquer sugestão de alucinação nessa palavra. Provavelmente está em foco aqui a asseveração gnóstica de que eles tinham visões e profecias, ou então, de modo geral, suas experiências místicas. O autor sagrado não quis dizer que eles não tinham tais experiências. O trecho de Cl. 2:18 também admite que eles tinham experiências místicas, na forma de visões. Naquele caso, os escribas e intérpretes também não puderam deixar o versículo conforme aparece no original, alterando-o de forma a dar a impressão que suas reivindicações místicas eram falsas. Mas todos aqueles que têm estudado o misticismo sabe que o mesmo não respeita fronteiras denominacionais, além do que sempre fez parte das culturas humanas, até mesmo sem vinculações religiosas.
Com base no N.T., tais visões, embora aceitas como reais, são chamadas:
1. ou de derivadas de fontes espirituais malignas; ou
2. derivadas de fontes puramente humanas, do espírito humano, que certamente possui certos poderes místicos, sem a intervenção de qualquer espírito externo, angelical ou demoníaco. Na primeira dessas categorias podemos incluir os anjos maus, os demônios e outras forças malignas desconhecidas.
Os estudos no campo da parapsicologia tem mostrado abundantemente qual o alcance do poder da personalidade humana. Está provado que um homem é facilmente capaz de produzir curas, de ter visões, de profetizar, etc, sem que isso transcenda aos limites de seu próprio ser. Tais experiências, porém, podem ter significação religiosa ou não para o produtor das mesmas. Em outras palavras, não é fora de lugar a idéia que até mesmo os «dons espirituais», em alguns casos, sejam apenas o uso de qualidades humanas inerentes. Se Deus quiser que um homem desenvolva tais capacidades, que podem ser usadas em favor do bem e para progresso do evangelho, então, embora estritamente humanas, na realidade são «dons espirituais», sendo legitimamente empregadas para a glória de Deus.
O homem é um ser espiritual, e Orígenes provavelmente tinha razão ao dizer que a alma do homem, o que a humanidade era antes da queda, não era inferior aos seres que chamamos de «espíritos angelicais». Portanto, o homem possui a capacidade inata de fazer qualquer coisa que um anjo pode fazer. Em Cristo, os remidos serão elevados bem acima dos anjos, pois os remidos são filhos de Deus, tal como o Filho o é, pelo que participarão da natureza divina (ver II Pe 1:4) e de toda a «plenitude de Deus» (ver Ef 3:19 e Cl 2:10), ao que os anjos têm um acesso bastante limitado.
Provavelmente é correto dizer que alguns dons espirituais são angelicamente mediados, pelo que imitações espúrias podem ter os demônios como mediadores. Então, em casos especialíssimos, o próprio Espírito Santo pode inspirar e empregar o seu poder nos remidos, produzindo dons espirituais de admirável natureza. Essas altíssimas manifestações, em casos especiais, entretanto, podem ser imitadas por influência satânica direta em alguns indivíduos, conforme se dará no caso do anticristo, o qual será possuído pela forma espiritual negativa mais poderosa, a saber, pelo próprio Satanás. Com base nesta discussão, pois, pode-se ver que os falsos mestres, ocasionalmente, são capazes de exercer poderes admiráveis, com base em capacidades humanas inatas, ou devido à influência de poderes angelicais ou de Satanás. Também se sabe hoje em dia que certas drogas são capazes de produzir experiências místicas, algumas vezes de ordem elevada. Tais experiências podem ter a natureza de alucinações, mas é bem possível que provoquem alterações no estado da consciência, abrindo caminho para experiências místicas de nível puramente humano. Seriam, por assim dizer, asserções da alma. Ou então tais drogas deixem os homens em um estado que possibilite a «influência» exercida por entidades espirituais invisíveis. O misticismo provocado pelo uso de drogas é obviamente imoral e anti-espiritual, além de ser perigoso.
Misticismo Falso E Misticismo Verdadeiro
1. Dificilmente alguém conseguirá negar de maneira válida a realidade do misticismo. Existem sonhos e visões que predizem corretamente o futuro e descrevem situações desconhecidas, mas reais. Também há muitas alucinações entre supostos místicos, bem como um misticismo prejudicial e espúrio, cuja influência procede dos demônios.
2. Praticamente todas as fés religiosas estão alicerçadas sobre experiências místicas. O profeta recebe uma visão ou revelação. Isso é, subseqüentemente, passado para a forma escrita. Com a passagem do tempo, os livros sagrados são canonizados e assim se tornam os documentos oficiais de alguma organização religiosa. A validade de tal organização depende da veracidade das revelações originais.Filosofias e comentários são acrescentados a esses documentos originais, mas o âmago da questão continuará sendo aquelas revelações.
3. Existem certos testes comprobatórios do misticismo autêntico:
a. Nenhuma revelação será imoral em si mesma, e nem encorajará ação imorais.
b. As verdadeiras revelações tendem por inspirar-nos à correta ação moral. Elas são moralmente revolucionárias.
c. Revelações subseqüentes devem ser coerentes com as revelações anteriores, embora possam transcendê-las. Deve haver uma correspondência razoável entre elas.
d. Alguns estudiosos supõem que apesar das revelações ou experiências místicas poderem transcender à lógica humana, nem por isso serão irracionais. Todavia, essa é uma regra bastante fraca, se é que ao menos serve de regra. A razão não pode conter a fé, e nem pode conter a experiência religiosa. Sem embargo, pode agir como um guardião.
e. O trecho de Cl 2:8 e ss., mostra-nos que o misticismo autêntico promove a glória de Cristo, o qual é o arquétipo da salvação humana.
O autor sagrado não se deixava impressionar pelas declarações dos gnósticos, que afirmavam ter passado por estados de êxtase — «Tenho visto, tenho visto!» Pois o que tinham visto, embora talvez estranho, espantoso, jubilador, não os transformara moralmente.Qualquer crença ou experiência religiosa que não envolva aplicação moral não é válida. O Espírito Santo nos está transformando espiritualmente (ver Gl 5:22,23; Mt 5:48 e II Ts 2:13), a fim de que possamos compartilhar da imagem metafísica de Cristo (ver Rm 8:29 e II Co 3:18). O misticismo deve fazer parte dessa transformação, e a verdadeira definição de «misticismo», segundo os moldes cristãos, é o contacto genuíno com o Espírito Santo.
«...contaminam a carne...» Tais seres foram «após carne estranha», tal como fizeram os habitantes de Sodoma e Gomorra. Tornaram-se pervertidos sexuais, efeminando-se; desconheciam qualquer lei ou limite para suas atividades sexuais deturpadas. O misticismo deles não salvava os gnósticos desse tipo de deturpação. (Isso pode ser comparado com o que se lê em II Pe 2:10, que quase certamente foi copiado daqui). Os falsos mestres «maculam» seus corpos com o pecado—essa é a idéia básica, transmitida por essas palavras. Eles sé corrompem a si mesmos. Os mestres gnósticos não criam que os pecados corporais podem prejudicar à alma, tal como o ouro, ao ser mergulhado na lama, não tem sua natureza alterada. Chegavam mesmo a imaginar que ajudavam ao sistema cósmico em seu desígnio de destruir a matéria, ao contaminarem os seus próprios corpos, que participavam da matéria. Supunham mesmo que a alma, ou parte essencial do homem, é impecável (ver I Jo 1:8,10), a despeito dos abusos praticados com o corpo. Porém, o cristianismo autêntico requer a consagração tanto do corpo como da alma. (Ver Rm 12:1,2).
«...rejeitam governo...» No grego esta última palavra é «kuriotes». Talvez a declaração seja geral—governos humanos. Pensavam que estavam acima das restrições humanas, pessoais ou coletivas (sociais). Também reduziam o estado e o propósito dos poderes «angelicais», não mostrando por eles o respeito devido, tal como, na cidade de Sodoma, os homens tornaram-se culpados de desrespeitar aos anjos (ver Gn 19:1 e ss.). A doutrina gnóstica pervertia a verdade acerca dos «anjos», pois estes haviam sido transformados em uma quase interminável sucessão de sombrios «aeons», supondo que podiam chamá-los a seu serviço, como se a missão dos mesmos fosse confirmar a autenticidade de sua mensagem falsa. Os «docéticos» (e quase todos os mestres gnósticos eram docéticos, em um grau ou outro) chamavam os «aeons inferiores», que teriam criado a matéria e manteriam contacto com a mesma, de espíritos de moralidade duvidosa, pois seriam maculados pelo pecado tal como os homens o são. Também rejeitavam a autoridade e o governo de Cristo, pois repeliam seu senhorio, reduzindo-o a um dos «aeons», apenas.
«...difamam autoridades...» No grego temos o verbo «blasphemeo», «blasfemar», «falar injuriosamente contra», das maneiras sugeridas no parágrafo acima. Alguns mestres gnósticos eram tão ousados que afirmavam que a redenção pode ser recebida somente pela experiência de todas as formas de situação, incluindo a depravação. Diziam que os anjos os «encorajavam» a ter experiências pervertidas, acompanhando-os na execução das mesmas, a fim de que adquirissem o conhecimento necessário para obterem a redenção. Desse modo, todos os pecados se tornavam «meios necessários» para a salvação. Isso era o mais puro paganismo a exibir-se sob a bandeira cristã. Mediante tais doutrinas os mestres gnósticos degradavam o conceito inteiro dos anjos, blasfemando, tornando-os pervertidos como eles mesmos eram pervertidos.
As autoridades aqui referidas são, especificamente, as de natureza «espiritual», como os anjos ou a pessoa de Cristo, embora, uma vez mais, essa idéia possa ser suficientemente ampla para incluir a blasfêmia contra autoridades terrenas, as quais estão investidas de autoridade da parte de Deus (ver o décimo terceiro capítulo da epístola aos Romanos). Porém, o termo grego «doksai» aponta principalmente para elevados seres espirituais, particularmente os «anjos». (Ver Filo, Spec. Leg., 145; Êx 15:11, na Septuaginta e Testamento de Judá 25:2, quanto ao uso desse vocábulo, que aponta para poderes angelicais). É possível que uma parte do que está envolvido nisso seja a forma sensual pela qual alguns elementos gnósticos se comportavam nas festas religiosas, sobretudo no «agape», a antiga celebração da Ceia do Senhor (ver o décimo segundo versículo logo abaixo, onde a questão é salientada). Os primitivos cristãos acreditavam que os anjos observam a adoração dos crentes. Neste caso, os mestres gnósticos, ao se embebedarem e ao se mostrarem loucos sensuais nessas ocasiões, somente desonravam aos anjos, que se faziam presentes, embora invisíveis. (Ver I Co 11:10 e Mt 18:20, trechos que podem ser interpretados como - passagens bíblicas que confirmam a doutrina da «presença dos anjos» nas reuniões dos crentes.
10: Estes, porém, blasfemam de tudo o que não entendem; e, naquilo que compreendem de modo natural, como os seres irracionais, mesmo nisso se corrompem.
Os gnósticos, conforme o autor sagrado nos informa, abusavam tanto da esfera das coisas que não compreendiam (como a questão inteira dos poderes celestiais), como também da esfera das coisas que compreendiam (aquilo acerca das coisas terrenas e de seus próprios corpos). Este versículo é um tipo de sumário das idéias dos versículos oitavo e nono. Blasfemavam dos poderes invisíveis; e abusavam de seus corpos. Eram corruptos tanto no corpo como no espírito.
A todo o tempo aqueles hereges afirmavam possuir um conhecimento «superior», pois eram «gnósticos» (derivada essa palavra de «gnosis», «conhecimento»). «Judas assevera acidamente que só tinham algum conhecimento 'o que poderiam saber por instinto, como animais irracionais', e com tal conhecimento 'eles eram destruídos'. Os sentidos eram sua única orientação. Isso explica como se esqueciam das realidades que devem ser 'espiritualmente discernidas' (ver I Co 2:14). Assim como os dirigentes deste mundo habitualmente se têm perdido devido à sua ignorância acerca da oculta sabedoria de Deus, assim também os hereges são destruídos pelos seus sonhos espúrios (comparar com I Co 2:6-16, onde Paulo mostra plenamente o contraste implícito no décimo versículo desta epístola, entre os 'espirituais' e aqueles que 'receberam o Espírito da parte de Deus'». (Barnett, in loc).
«Eram eles culpados... de blasfemarem ou de zombarem do que não entendiam. Contudo, obedeciam aos seus instintos. Neste ponto o entendimento é contrastado com os instintos naturais. Zombavam do que é honroso; e condenavam ao verdadeiro cristianismo, que não compreendiam. Bem poderiam dar ouvidos à advertência do arcanjo, que se recusava até mesmo a blasfemar do diabo, devido à sua insolência. Quem, pois eram aquelas pessoas superiores que pensavam tão superficialmente acerca dos anjos que fazem o que Deus manda? Afirmando possuir discernimento superior sobre coisas celestiais, faziam tudo por 'instinto'. E isso mostraria ser a razão de sua perdição. Tal como Caim, cuidavam apenas de si mesmos e realmente não se interessavam pelos outros; à semelhança de Balaão, estavam interessados somente em usar outros para obterem lucro; tal como Core, tinham por intuito somente usurpar a autoridade santa que pertence a outros e a Deus». (Homrighausen, in loc).
Blasfemavam do espírito e abusavam da carne. Asseveravam ser os mais espirituais dentre os homens, mas suas obras e palavras revelavam a falsidade de suas reivindicações. Este versículo pode ser comparado com II Pe 2:12, que nele se alicerça: «Esses, todavia, como brutos irracionais, naturalmente feitos para presa e destruição, falando mal daquilo em que são ignorantes, na sua destruição também hão de ser destruídos».
«...instinto natural...» Todo o animal irracional tem consciência de seu corpo e de seus possíveis prazeres. Esses animais, que agem por instinto, não têm qualquer lei moral, e se dão licença exagerada, buscando prazeres sensuais, sem nenhuma restrição da consciência. Do mesmo modo agiam os mestres gnósticos. (Isso pode ser comparado com II Tm 3:6). Tornavam oficiais as suas imoralidades, e tentavam seduzir as mulheres crentes.
Notemos que o fato que os gnósticos falavam sobre «coisas invisíveis» confirma a interpretação acerca do oitavo versículo, que às«doksai» (glórias) são seres angelicais; e, nesse caso, provavelmente são os «poderes» ou «autoridades» (aludidos naquele versículo), os quais são invisíveis para nós, mas nem por isso menos reais.
«...se corrompem...» Esse termo, que no grego é «phtheiro», também pode significar «destruir»; e a destruição do juízo, provocada pela corrupção moral, provavelmente é a que está em foco. Essa é a interpretação de II Pe 2:12, com base no presente versículo: «...na sua destruição também hão de ser destruídos». Quanta ironia, pois, que aqueles que afirmavam possuir um conhecimento superior se corrompessem exatamente naquilo que melhor conheciam—o corpo—de modo a se encaminharem para a perdição do julgamento, ao invés de avançarem na posição da redenção, o suposto alvo de seu «conhecimento», já que, para eles, a redenção seria obtida pelo «conhecimento», e não pela «fé». Para os gnósticos, a fé era algo bom, embora inferior, sendo exercido por homens de menor espiritualidade, que não poderiam aspirar à redenção superior, dada exclusivamente aos «gnósticos», que tinham «gnosis» ou «conhecimento».
«É difícil, se não mesmo impossível, encontrar qualquer inimigo obstinado da religião cristã que, no curso que seguem, não vivam em contradição franca ou secreta aos princípios mesmos da religião natural. O apóstolo compara os tais a animais irracionais, embora com freqüência tais indivíduos se considerem, se não os mais sábios, mas pelo menos os mais espertos elementos da humanidade». (Matthew Henry, in loc).
«Aquilo que não conheciam e não podiam mesmo conhecer, era por eles vilipendiado através da mais grosseira irreverência; e aquilo de que sabiam, não podendo mesmo deixar de saber, abusavam, mediante a mais grosseira licenciosidade». (Plummer, in loc).
12: Estes são os escolhos em vossos ágapes, quando se banqueteiam convosco, pastores que se apascentam a si mesmos sem temor; são nuvens sem água, levadas pelos ventos; são arvores sem folhas nem fruto, duas vezes mortos, desarraigadas;
Algumas traduções dizem aqui máculas ou manchas, como tradução do termo grego «spilades»; mas a tradução «rochas» é melhor. Contudo, ambas as traduções são possíveis para essa palavra grega. Ver Homero, Odisséia iii.298, quanto à palavra aqui usada, ali com o sentido de «rochas». Não eram meras máculas corruptoras nas «festas de amor» (o «agape», a Ceia do Senhor), mas eram ameaças ocultas de destruição, que podem «afundar» a espiritualidade de qualquer homem, levando uma congregação cristã inteira ao naufrágio. O trecho de II Pe 2:13 menciona os levantes feitos pelos gnósticos, por ocasião das «festas de amor». Traziam alcoolismo e imoralidade para essas ocasiões.
Vários intérpretes preferem a tradução «máculas», «manchas», neste ponto, porquanto as festas de amor eram «corrompidas», pelas práticas pecaminosas, como uma «mancha» estraga a pureza de algo. Seja como for, a lição é clara. Eles não respeitavam nem mesmo a solenidade da celebração da Ceia do Senhor.
«...banqueteando-se juntos sem qualquer recato...» Com base em I Co 11:22, sabemos que a Ceia do Senhor (originalmente um banquete seguido pela cerimônia com o pão e o vinho e o lava-pés), tornou-se desculpa para alguns se embebedarem e beberem em excesso. Os gnósticos levavam isso mais além, evidentemente ocupando-se em atos imorais, devido à toxidez alcoólica. É claro que alguns de seus banquetes, supostamente efetuados em nome de Cristo, terminavam em orgias sexuais. Glutonaria e partidarismos caracterizavam as suas ações. A «festa de amor», no caso de alguns dos membros pobres da igreja, provavelmente era a melhor refeição da semana, e talvez até mesmo a única verdadeira refeição. No entanto, muitos negligenciavam aos pobres, levando-os a continuarem famintos, ao passo que eles mesmos comiam gulosamente. Em tudo isso lhes faltava totalmente a consciência e o temor. Nada havia de amor fraternal ou de espírito comunitário neles. O fato que podiam corromper assim à Ceia do Senhor, «sem temerem», mostra a ascendência que tinham ganho sobre certas congregações locais, além de ser uma reprimenda contra tais igrejas, por permitirem a continuação de tal situação.
«...pastores que a si mesmos se apascentam...» O termo «pastores» não se acha no original grego, embora possa ser derivado do verbo. Tais indivíduos pastoreavam-se a si mesmos, ao mesmo tempo que permitiam que os pobres continuassem a passar fome. Quando um pastor é autêntico cuida dos interesses das ovelhas, sobretudo de sua alimentação espiritual. Mas os falsos pastores cuidam somente de si próprios, tanto quanto ao alimento literal, por ocasião da Ceia do Senhor, como no tocante a outras questões. Eram indivíduos egoístas, que buscavam somente aos seus próprios interesses. Nada sabiam acerca do amor fraternal. Isso pode ser contrastado com a atitude do «Bom Pastor» e com a atitude de seus subpastores, conforme se vê refletido em Jo 10:11; Ez 34:8; Mt 26:31; I Co 9:7; Hb 13:20; I Pe2:25.
«...nuvens sem água...» Das nuvens é que vem o sustento para a vida vegetal e animal, pois delas é que nos chega o suprimento de água potável, através da chuva. Os falsos mestres, entretanto, «prometem» dar vida, mediante seus ensinamentos, mas terminam sem derramar nenhuma gota de água. A figura de linguagem aqui usada pelo autor sagrado é extraída dos capítulos dois a cinco do livro de Enoque, onde se faz o contraste entre os fenômenos constantes da natureza e a instabilidade dos homens, que se mostram imprevisíveis. Os homens não são «constantes» nos mandamentos do Senhor. Porém, apesar da figura de linguagem ter sido tomada por empréstimo do livro de Enoque (com uma aplicação diferente), o significado é o de Pv 15:14, que diz: «Como nuvens e ventos que não trazem chuva, assim é o homem que se gaba de dádivas que não fez». (Isso pode ser confrontado com II Pe 2:17, onde se lê sobre «fontes sem água», o que certamente é uma adaptação da idéia que encontramos aqui).
«...impelidas pelos ventos...» As nuvens se reúnem formando uma massa; prometem a mui necessária chuva. Mas eis que vem um vendaval e as dispersa rapidamente, e nenhuma chuva cai. Assim também sucedia com os gnósticos, em suas pretensões, os quais prometiam vida eterna e bem-estar a seus seguidores, embora suas promessas fossem vazias, secas e estéreis. Praticavam apenas o engodo; sua conduta era traiçoeira. «Dos mestres esperamos a chuva beneficente da doutrina e do exemplo: mas esses homens erram como nuvens que não dão chuva e somente escondem o sol». (Bigg, in loc).
«...árvores em plena estação dos frutos...» Eram aqueles mestres quais árvores que poderiam ter fruto, mas que se secava antes de provir dali qualquer bem. Eram «árvores infrutíferas no fim do outono», cuja estação produtiva viera e se fora sem qualquer resultado positivo. Por ocasião da estação da «colheita», no outono, quando os homens saem para apanhar frutos, estavam tais árvores inteiramente despidas de seu fruto, pelo que eram árvores completamente sem valor. Tal como na metáfora anterior, é salientada a idéia da «expectação desapontada». O grego original diz aqui phthinoporinos, vocábulo derivado de «phthino», «desperdiçar», e de «opora», «outono». Eram «árvores outonais» que deveriam estar carregadas de frutas, mas que, na realidade, estavam despidas delas. Eram «infrutíferas», por natureza.
Algumas árvores produzem fruto no outono, sendo esse o tempo de ficarem elas carregadas. Outras árvores dão fruto em período anterior, pelo que, no outono, elas estão despidas de fruto e parecem mortas. Não há certeza sobre qual figura de linguagem o autor sagrado queria que compreendêssemos. Seja como for, no outono, essas árvores estavam sem fruto, sem importar se alguém esperava ou não encontrar fruto nelas naquela estação do ano.
«...desprovidas...» No grego temos apenas «akarpa», «infrutíferas». Os homens pensavam em encontrar naqueles mestres fruto espiritualem abundância; no entanto, tinham de afastar-se desapontados. Nada obtinham naqueles mestres falsos, porquanto estes nada mostravam da magnificência de Cristo, o qual é nossa vida; pelo contrário, degradavam de Cristo, substituindo-o por muitos «aeons», muitos pequenos deuses, salvadores e mediadores. Assim sendo, nada mostravam do exemplo de Cristo, nem o tinham como o seu grande alvo (ver Hb 2:10: Ef 1:23; Rm 8:29; II Co 3:18; Cl 1:6 acerca de Cristo como o «Alfa e o Ômega» da criação).
«...duplamente mortas...» Essa expressão tem provocado várias interpretações da parte dos estudiosos, a saber:
1. Eles são infrutíferos e parecem mortos, como uma árvore no fim do outono ou do inverno. É como se o sinal da morte tivesse aparecido neles. Na realidade, porém, estavam «realmente» mortos, e não só na aparência. E assim a «segunda morte» já transparecia neles. Esta interpretação tem a vantagem de preservar o estrito simbolismo da árvore frutífera, que é estéril; mas a maior parte dos intérpretes se sente justificada por não limitar-se à sugestão da metáfora da «árvore».
2. Talvez esteja subentendido que, antes de professarem a Cristo, estavam «mortos», em transgressões e pecados (a primeira morte). Desde que o professaram, visto não se terem verdadeiramente convertido, e estando agora na apostasia, estavam novamente «mortos», o que seria uma confirmação da primeira morte. Essa interpretação salienta que estão realmente mortos agora, tendo abandonado o único meio de vida.
3. O autor sagrado talvez queira dizer que antes estavam espiritualmente mortos, antes de sua conversão, tendo recebido vida verdadeira, em Cristo, por ocasião de sua conversão; subseqüentemente, porém, na apostasia, eles tinham abandonado essa vida, morrendo novamente.
4. É certo, pelo menos, que o autor sagrado está descrevendo o fim natural dos apóstatas. (Ver Hb 6:4-6; 10:26,27; Ap 20:14,15 e 21:8 quanto a idéias paralelas, embora com o uso de outros termos). Quando abandonam a Cristo, «morrem», embora, de certa feita, tenham realmente vivido. Essa «primeira morte» é seguida pela «segunda morte», a do julgamento eterno (ver Ap 20:14). A segunda morte é o resultado da primeira, a qual é causada pela rejeição a Cristo. Aqueles que rejeitam a vida de Cristo, estando mortos, entram no ambiente da morte espiritual. (Ver Cl 3:6 quanto ao significado da morte e do juízo espiritual). Essa morte consiste essencialmente de ser o indivíduo barrado do verdadeiro destino do homem, o qual é a participação no próprio «tipo de vida» de Deus, ou seja, a participação em sua natureza e atributos. Esse é o verdadeiro alvo do homem; e, se chegar a falhar nisso, então tornar-se-á espiritualmente morto, sem importar o que Deus, em sua misericórdia, faça por ele. (Ver II Pe 1:4; Cl 2:10; II Co 3:18 quanto a esses conceitos).
5. Alguns pensam que essas palavras são adverbiais, como se dissessem que eles estão completamente mortos, «duplamente mortos», realmente mortos nos seus pecados, porque têm abandonado a Cristo, a origem de toda a vida real.
«...desarraigadas...» Tais árvores estavam mortas; ocupavam o espaço inutilmente. Tinham de ser arrancadas. Isso pode ser comparado com a metáfora usada por Jesus, acerca da vinha e dos ramos. Aqueles ramos que perdem o contacto vital com a vinha, que dá a seiva de vida, logo se ressecam e morrem. Então são cortados e lançados no fogo (ver Jo 15:1-6). Permanecer na vinha dá vida; isso indica a comunhão mística com Cristo, mediante o Espírito Santo, o qual nos infunde a vida divina. Cristo é a raiz que confere vida à árvore. Mas o tronco deve ter conexão vital com o ramo.
FONTE NOTAS Bibliografia R. N. Champlin,COMENTARIO BIBLICO DO NOVO TESTAMENTO,2003